sábado, 26 de março de 2011

Veja aqui parte da entrevista do Ministro da Saúde


‘Eu não tenho bloqueio ou preconceito com qualquer modelo gerencial’

· Entre a demanda por mais dinheiro e a queixa de que o problema da saúde está na má gestão dos recursos, o atual ministro da saúde, Alexandre Padilha, prefere ficar com os dois — essa é, segundo ele, uma “falsa dicotomia”. A conquista de mais recursos tem a ver com o papel central da saúde na agenda de desenvolvimento do país. Já a melhoria da gestão passa pela prioridade de um sistema centrado na atenção básica mas não engloba a discussão sobre a relação entre público e privado — esse é, na sua avaliação, um debate “ideologizado”. Ex-ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República do governo Lula e ex-diretor nacional de saúde indígena da Funasa entre 2004 e 2005, dentre muitos outros cargos, o médico Alexandre Padilha, vinculado ao Partido dos Trabalhadores, acaba de assumir o ministério da saúde. Nesta entrevista, concedida no dia 4 de fevereiro a Poli e a outras duas revistas editadas na Fiocruz — RET-SUS e Radis —, ele fala ainda sobre as prioridades da formação em saúde, incluindo a situação dos ACS. E, sem fugir das polêmicas, defende a construção da usina de Belo Monte.

No discurso de posse, a presidente Dilma apontou três prioridades para o país: saúde, educação e segurança pública. O sr. acredita que agora a saúde vai estar no centro do desenvolvimento do país? A saúde pode não só não sofrer cortes como ainda ter um aumento real do orçamento?
Eu tenho certeza absoluta da necessidade de a saúde estar no centro da agenda de desenvolvimento do país. Tenho certeza absoluta do compromisso da presidenta com isso, mas acredito que essa não é uma obra só da presidenta. No conjunto do país, todas as pessoas do setor da saúde são decisivas para isso. Nosso país tem um potencial muito claro: todos os analistas acreditam que nós seremos a quinta economia do mundo em 2016. Não é possível ser a quinta economia do mundo em 2016 sem aproveitar ao máximo o potencial do setor econômico que mais investe em inovação de nível tecnológico, que é a saúde. Hoje, 30% dos recursos de desenvolvimento de inovação e pesquisa no país vêm dos vários segmentos do setor da saúde: seja desenvolvimento de insumos, medicamentos, vacinas, produção de novas tecnologias, inclusive de atenção à saúde, desenvolvimento de equipamentos... Não há nenhum país entre as maiores economias do mundo que não tenha uma política específica para desenvolvimento e inovação no campo da saúde. O segundo grande desafio para o Brasil ser a quinta economia mundial é aproveitar ao máximo o esforço de redução da pobreza e da miséria como a principal estratégia de desenvolvimento econômico do país. O Brasil aprendeu ao longo desses últimos oito anos que investir e se esforçar em reduzir a pobreza e as desigualdades regionais propiciou a construção de um mercado interno muito pujante, com força econômica e capacidade de inclusão, em seis, sete anos, do equivalente a uma Argentina inteira na economia. Quando você quer atrair investidores privados, profissionais liberais, profissionais de nível superior, em diversos estados hoje, várias perguntas que eles fazem são: se há um serviço de saúde adequado; qual o perfil do serviço de saúde, da rede de atenção à saúde daquela região para atrair esses profissionais. Ao mesmo tempo, a expansão da rede de atenção à saúde do país nas regiões economicamente menos desenvolvidas tem impacto direto e indireto na economia local. O impacto direto é o fato de a expansão da rede estar combinada com o crescimento de uma força de trabalho remunerada: são os profissionais de saúde de varias cidades do país o principal motor da economia local. O impacto indireto é que, quando você cria uma rede pública de saúde, faz com que as pessoas gastem menos para conquistar aquele direito fundamental. E tem o fato de a ampliação do serviço de saúde ser algo fundamental para a promoção da cidadania: não se reduz a miséria no país sem promover a cidadania. Há um terceiro outro grande desafio, que é da área internacional, que tem até a ver com a Fiocruz. O Brasil só vai ser a quinta economia do mundo se souber ocupar cada vez mais o papel que lhe cabe, e um eixo fundamental para qualquer ação de cooperação internacional é o tema da saúde. E o Brasil tem um potencial que é inclusive maior do que o dos outros países por ser uma grande potência econômica no mundo em um meio tropical, ter características próprias da inovação tecnológica, da capacidade técnica dos seus profissionais que outros países que são economias importantes do mundo não têm. Agora isso não é uma obra só da presidenta e do governo. Cada profissional de saúde tem que saber que quando define uma conduta, uma prática clínica, quando define a sua linha de atuação em pesquisa, quando define as suas prioridades de formação, de atualização, pode estar se aproximando ou se distanciando do centro da agenda de desenvolvimento do país. Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma não vai fazer cortes em nenhuma política social. Pelo contrário, o desafio que ela assumiu para si e para o conjunto dos ministros é fortalecer e expandir nossas políticas sociais e isso tem a ver com recursos. Para mim, não existe uma dicotomia entre o debate de melhorar a gestão ou ter mais recursos. Eu estou absolutamente convencido de que a única forma de nós conquistarmos os recursos é darmos sinais claros de que temos maior capacidade de gestão sobre eles. Quando falo de gestão, não estou falando só de custo efetividade, não estou falando só de fazer mais com o que nós temos, de reduzir os custos. Estou falando da necessidade de fortalecer um modelo de atenção focado no usuário e que tenha a atenção básica como pilar.

Eu queria que o sr. Falasse sobre um dos temas que mais mobilizam os movimentos sociais hoje: é o que se tem chamado de ‘privatização da saúde’, que se refere à criação de Organizações Sociais (OS) e a outras estratégias em que a administração não passa para um ente privado mas se adota o direito privado no lugar do direito público.
Eu acho que primeiro nós não podemos fazer um debate ideologizado sobre isso. Quando nós construímos o SUS, esse debate apareceu: se o SUS tinha que ser só estatal ou se tinha que compreender a participação de várias modalidades de entes não-estatais —filantrópico, hospitais universitários, o próprio setor privado credenciado... E o Movimento de Reforma Sanitária, naquele momento, compreendeu que o SUS não tinha que ser só estatal. Então, eu acho que essa é uma primeira questão. Eu defendo o SUS como um projeto público, permanentemente público, que esteja voltado para o usuário, que tenha controle público permanente. Hoje a maior parte dos equipamentos de saúde — leitos, medicamentos em geral — que o SUS utiliza são não-estatais. Isso foi ao longo de todos os anos de construção do SUS, e foi até maior no começo, quando se criou e se instituiu o SUS. A outra questão é que eu acredito que qualquer modelo gerencial tem que respeitar o conjunto de diretrizes do Sistema Único de Saúde. O próprio Conselho Nacional de Saúde fez um debate, que eu acho que foi muito interessante, de listar 12 princípios que qualquer modelo gerencial tem que ter no espaço do SUS. Sou favorável a qualquer modelo gerencial que cumpra essas diretrizes, inclusive em relação aos modelos estatais. Porque tem muito modelo estatal que não é público, que não tem nada de controle social, onde os trabalhadores são menos valorizados do que aqueles que têm vínculo com fundações ou organizações que não são necessariamente estatais. Esse debate não tem que ser ideologizado nesse sentido, do confronto entre o estatal e o não-estatal. Para mim, o debate tem que ser sobre o SUS enquanto projeto público voltado para o usuário, com controle social permanente, onde o processo de valorização dos gestores e dos trabalhadores deve existir para se garantir o melhor acesso ao usuário.


Fonte: Conselho Estadual de Saúde do Rio de Janeiro

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